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hristine estava
deitada em sua cama, chorando baixinho enquanto relia as cartas de amor que
Ricky lhe escrevera antes daquela maldita noite em que seu noivado teve
fim. De bruços sobre o travesseiro,
sustentando o rosto com as palmas das mãos, suspirava profundamente folheando
seu diário, onde guardava as pétalas secas das flores que outrora recebera de
seu amor. No rádio, numa canção melancólica, Ritchie Vallens também chorava pela perda de sua amada “Donna”.
Não conseguia acreditar
na traição de Ricky, mesmo tendo visto com seus próprios olhos, Ricky aos
beijos com outra mulher, na mesma lanchonete em que sempre iam juntos. Seu pai,
que dirigia o carro em que ela estava também contemplara a triste cena que
arruinara sua vida, extremamente nervoso proibiu-a de sequer ouvir as
explicações que Ricky pudesse apresentar-lhe e foi bastante rude com o rapaz ao
ponto de ameaçá-lo com seu rifle.
Mas tudo o que
Christine queria naquela noite, era ser como aquela mulher. Sentada na cama, em
frente à penteadeira, enxugou as lágrimas e começou a se maquiar, mesmo não
tendo festa alguma em que pudesse ir. Escolheu um batom de um vermelho vivo,
realçou seus olhos verdes com maquiagem escura e fez cachos em suas loiras
madeixas, abusando do laquê, do perfume e dos brincos.
Nunca saira de casa antes
sem a permissão dos pais, mas aquela noite seria diferente, afinal já estavam
em 1958 e ela já tinha 17 anos, já era uma mulher e podia muito bem decidir sua
própria vida. Desceu as escadas vagarosamente e saiu pela porta dos fundos, não
sabia para onde ir, mas sabia que não devia caminhar desacompanhada, pensou em
chamar a amiga Lucy para irem á Sugar
Beet, mas temeu que os pais da amiga a levassem de volta pra casa, mesmo
assim seguiu pela rua mal iluminada a caminho da referida lanchonete.
A caminhada
pareceu-lhe bem mais longa, mas enfim avistou o letreiro luminoso da lanchonete
e aliviada por não ter sido descoberta em sua aventura noturna, entrou
rapidamente procurando por uma mesa vazia.
Ricky não estava lá,
vários casais ocupavam as outras mesas, muitos deles eram conhecidos da escola.
Lisa Harvey estava lá com George Thompson, eles a cumprimentaram com um aceno.
Numa outra mesa, estavam Jane e Stevie que olhavam fixamente para ela, como que
esperando uma explicação, do por que dela estar ali desacompanhada.
Sentiu-se nua sob os
olhares inquisidores das pessoas que conhecia, um tremor involuntário
movimentou seu lábio inferior, suspirava profundamente e lágrimas teimosas se
formavam em seus olhos, por pouco não se levantou e voltou para casa, colocando
fim àquela estúpida aventura, não fosse o belo rapaz que se aproximara de sua
mesa interrompendo seu instante de covardia.
O rapaz era alto,
tinha olhos azuis frios, o cabelo preto reluzia encharcado de gel fixador, pele
extremamente branca, um sorriso galanteador com dentes perfeitos e um maxilar
bem definido, cheirava a loção de barbear. Christine nunca o vira antes, mas
parecia que todos da lanchonete já o conheciam há tempos.
Sobressaltada com a aproximação
do rapaz, Christine esperou que ele falasse algo, o que ele prontamente fez:
_
Perdoe-me senhorita, percebi que assim como eu, você também está
desacompanhada, posso me sentar com você?
A antiga Christine
não saberia o que fazer, mas a Christine que nascera naquela noite, sorriu para
o rapaz e apenas acenou afirmativamente com a cabeça. O rapaz rapidamente puxou
a cadeira, sentou-se e se apresentou:
-
Agradeço a gentileza, senhorita! Permita que eu me apresente, meu nome é Adam
Ford, sou novo aqui na cidade, posso saber seu nome?
Perguntou o rapaz.
-
Christine! Christine Collins – ela completou – e ao contrário do senhor, nasci aqui mesmo em
Loveland e até hoje nunca deixei o Colorado.
O rapaz riu.
Christine um pouco
desconcertada com a risada do rapaz pensou ter dito alguma besteira, o rapaz
percebendo o breve incômodo, se explicou:
-
Perdoe-me - disse ele – Mas
sempre me divirto quando penso no nome desta cidade... Você sabia que o seu
sobrenome Collins é irlandês e deriva de um clã de guerreiros celtas?
-
Que interessante, eu não sabia disso! Disse Christine
sorrindo discretamente enquanto se lembrava de que não devia estar ali.
-
Como sabe todas estas coisas Sr. Ford? Indagou.
_
Te direi! Mas com a condição que de agora em diante você comece a me chamar apenas
de Adam – pode ser?
Christine aquiesceu
com um sorriso, levemente ruborizada. Adam então explicou:
-
Nossos nomes carregam o legado de nossos antepassados, mesmo que mudem a grafia
ou a pronúncia, sempre haverá uma razão para os portarmos, você carrega no
sangue tudo o que eles foram, eu olho para o seu rosto e posso imaginar a
beleza e a bravura dos ancestrais cujo sangue corre hoje em suas veias.
– as palavras de Adam exalaram um ar de mistério que inundou todo o ambiente.
Christine ficou
encantada com a inteligência, com a beleza e com o porte superior daquele
estranho rapaz.
Enquanto o pedido
deles era preparado Adam foi até o Jukebox
e escolheu a música “Only You”, do
grupo “The Platters”, com a escolha
dessa música, alguns casais motivados pelo romantismo da canção, se levantaram
e começaram a dançar lentamente, Adam se aproximou de Christine e estendeu-lhe
a mão, convidando-a para dançar também, ao que ela ruborizada aceitou.
Enquanto dançava,
sentiu as mãos frias de Adam tocando suas costas, seu rosto macio e sua
respiração refrescante, seu cavalheirismo e sua delicadeza fizeram-na esquecer
de Ricky por alguns instantes.
Entretanto, aquela
paz e tranquilidade duraram só alguns instantes. Antes do fim da canção, ela
avistou Ricky e a mulher entrando na lanchonete, um calafrio percorreu todo o
seu corpo e a fez estremecer. Adam percebendo aquele sobressalto procurou seus
olhos e perguntou:
-
Algum problema?
-
Eu não devia estar aqui – ela respondeu.
-
Posso te levar de volta pra casa se você quiser
– ele disse.
Mas ela não podia
chegar em casa com um estranho que acabara de conhecer num bar, enquanto
dançavam ela se preocupava com a possibilidade dos seus pais já terem percebido
sua ausência e nada respondeu ao rapaz.
Voltando para a mesa,
tentou evitar olhar para Ricky, mas foi impossível. Dessa vez, reparou bem nas
feições da mulher que roubara-lhe o noivo. A mulher aparentava ter mais de
vinte anos, cabelos ruivos encaracolados, lábios grossos muito vermelhos e uma
aparência hispânica que emanava uma estranha sensualidade. Os dois estavam
fumando.
-
Ricky está diferente – pensou. Olhou-a de maneira
sarcástica e sorrindo, levantou o copo de cerveja numa atitude irônica, a mulher
também sorria. Christine ignorou-os.
Adam acompanhou-a até
a mesa, sem saber o motivo daquela atitude apreensiva. Por sorte, a mesa deles
era distante da mesa em que Ricky e a mulher se sentaram e de um modo que ela
ficava de costas para eles.
-
Se importaria em explicar-me o que aconteceu? –
Perguntou Adam intrigado. E Christine contou-lhe toda a história, enquanto Adam
olhava ameaçadoramente para a mesa dos outros dois.
Christine assustou-se
com a expressão de ódio que surgira no rosto de Adam enquanto ela lhe contava
seu infortúnio, temeu que ele quisesse defender-lhe a honra, provocando Ricky
para uma briga.
Após ouvir todo o
relato, Adam acalmou-a com algumas palavras, combinaram que ele a levaria de
carro e a deixaria em um local seguro próximo á sua casa, mas longe o
suficiente para que seus pais não percebessem.
Mesmo com toda essa
proteção que ele a oferecia, Adam continuava sendo um estranho para ela, o que
a excitava e ao mesmo tempo amedrontava. Na sua mente, uma difícil decisão:
será que ela deveria confiar em Adam? Ela sabia que não devia confiar em
estranhos, quanto mais entrar no carro de um. Entretanto, o noivo em quem
confiava a traíra, por que um estranho tão agradável e cortês iria fazer-lhe
algum mal?
Saíram por outra
porta para evitar o contato com a mesa deles e foram em direção ao carro de
Adam, um Plymouth Fury, vermelho.
Adam conduziu-a pela
mão, abriu a porta do carro e esperou que Christine entrasse e se sentasse
antes que ele pudesse entrar também. O
interior do carro era muito limpo, os bancos eram macios e aveludados, no
espelho interno estava pendurada uma espécie de corrente feita de contas de
marfim e no centro, figurava a semelhança da cabeça assustadora de um felino,
pelo menos foi o que lhe pareceu. Christine sentiu um calafrio inesperado e
como de costume levou a mão ao crucifixo em seu pescoço.
- Quem é
esse homem! – pensou Christine – e
por que estou deixando que ele me seduza assim tão fácil? O que está
acontecendo comigo?
Adam entrou,
sentou-se e ligou o rádio para ouvirem uma canção, Elvis Presley cantava “Blue Moon”. Enquanto sintonizava melhor
o rádio, ele se aproximou apoiando levemente o braço na perna dela, Christine
sentiu outro calafrio, dessa vez mais intenso, sentiu também um pouco de medo,
afinal aquele rapaz era um estranho e aquela cabeça assustadora pendurada no
espelho a incomodava.
Os olhos de ambos se
encontraram, Adam sorriu, Christine corou.
-
Não gosta da música? – perguntou Adam.
-
Claro que sim – ela respondeu desviando o olhar.
Adam acariciou levemente o seu rosto - ela sentiu seu toque - suas mãos eram
frias, mas Christine gostou de sentir aquele toque frio, algo naquele rapaz a
atraía e ao mesmo tempo a fazia se sentir pecadora, levou a mão outra vez á
cruz celta que pendia em seu colo.
-
Tem medo de mim? – perguntou Adam.
Christine não queria
dizer, mas tinha. Entretanto, sentia prazer no medo, já fora longe demais
naquela noite, queria ficar ali e agora mais do que nunca queria que ele a
beijasse. Juntou forças, respirou fundo e respondeu:
-
Mas é claro que não! Disse tentando segurar um risinho
abafado.
-
E se eu te dissesse que você deveria ter medo?
– falou isso enquanto aproximava seu rosto ao dela, Christine sentiu seu hálito
de menta e se entregou aquele beijo que tanto desejava.
Sentiu as mãos frias
de Adam tocando seu rosto, beijando sua boca, seu rosto, tocando seu corpo de
uma maneira bem mais ousada e prazerosa, fazendo-a se sentir de um jeito que
Ricky nunca antes a fizera se sentir.
Os beijos de Adam se
transformaram em carícias, as carícias foram se tornando recíprocas, ela sentiu
os lábios dele sugando seu pescoço e permanecendo ali, sentiu que os beijos
dele ficavam mais intensos em sua pele pareciam pequenas mordidas. Ela gostava
daquilo. Por uma fração de segundo, Christine sentiu-se completa, seu corpo
estava relaxado, seus olhos fechados, sentia apenas os lábios dele sugando de
leve a pele de seu pescoço, um calor intenso consumia seu ventre. Foi quando
ela ouviu barulho de vidro se quebrando, assustada abriu os olhos e deparou-se
com os olhos de Adam arregalados, seu rosto fazia uma expressão terrível de dor
e sangue escorria do seu nariz e de sua boca.
Christine viu a mesma
mão que quebrara o vidro do carro, banhada com o sangue de Adam arrancando-lhe
os pulmões como se fossem lenços retirados de um bolso, um estremecimento de
horror percorreu seu corpo e um grito de pavor rebentou das suas entranhas. O
corpo de Adam pendia sobre o seu, se agitando e esguichando sangue pelo
ferimento aberto.
Tentou afastá-lo de
sobre si, mas não foi preciso, pois a mesma criatura que o matara, abriu a
porta do carro e arrastou o corpo de Adam para o exterior do veículo.
Christine reconheceu
a criatura assassina, era Ricky.
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HAHAHA ADOREI! Grata surpresa, ver que tu ambientou o conto no nosso universo. Tu narra muito bem, hein :O nunca tinha lido nada teu, mas vou começar a frequentar aqui com mais frequencia hehehe
ResponderExcluirEo final ficou show de bola! Me surpreendeu mesmo. Curti especialmente dele falando dos sobrenomes, e do colar de contas, deu um ar bem misterioso pro personagem.
Agora tu vai nos torturar para postar a continuação, dando o troco pela nossa demora no site? Espero que não hein!
Obrigado Lucas, faz tempo que Heluiza e eu comentamos sobre um possível crossover, mas preferi fazer como uma homenagem mesmo, não tenho pretensão de escrever sobre vampiros, mas sempre quis experimentar como seria desenvolver uma história nesse estilo.
ExcluirComo o próprio nome do blog diz, aqui é um "laboratorio de contos" tudo é experimental, escrevo aqui só pra testar o público, colher algumas opiniões e coisas assim.
Fico feliz em ter agradado aos homenageados, que criaram esse complexo universo que é o "Manuscritos das Sombras"! Pretendo postar a continuação ainda esta semana! Grande abraço!
Vaz escreve logo a continuação porque estou super curiosa!!!
ResponderExcluirObrigado pelo comentário Isabela! Te avisarei quando postar a continuação!
ExcluirAbs
Amei!!!! Espero a continuação!!! Mto bem elaborado, segue os modelos dos contos de mistério!
ResponderExcluirObrigado Lili! Você sabe que sua opinião é muito importante! valeu!
ExcluirFavor escrever continuação, só assim comentarei o que achei deste '-' *?!! Hahaha adorei, Vaz!! Espero que tenha se divertido e não tenha surtado muito com as minhas respostas as suas dúvidas no face. Você narra bem para caramba, na próxima coletânea de contos do dia das bruxas, sem dúvida, você tem que participar!
ResponderExcluirOI Helu, acho que corrigi o '_' rsrsrs
ExcluirNão surtei ainda não, na verdade como te disse não tenho o interesse de escrever uma saga complexa sobre vampiros, mas curto escrever seja lá o que for e faz tempo que queria prestar essa homenagem a vocês pelo excelente trabalho que fazem no "Manuscritos das Sombras".
Acredito que perceberam minhas sutis referências no texto, nas músicas e já aviso que na continuação haverão outras.
[...] e já vou me preparando para o dia das bruxas rsrsrs
Poxa vaz...surpreendente!!!! simplismente, surpreendente.
ResponderExcluirNão conhecia esse seu dom. vc é muitissimo talentoso.
Estarei aqui anciosa pela continuação. E por favor não demore tanto.
bjão
Leila
Obrigado pela sua opinião Leila! Fico feliz que tenha gostado!
ExcluirNoooossa, muito bom mesmo!
ResponderExcluirAté o segundo ou terceiro parágrafo eu dei uma lida por cima,
porque eu já estava de saida pra Auto Escola.
Mas quando cheguei e parei realmente para ler, fui até o fim de uma vez só,
e olha que isso é muito raro de acontecer.
Eu quero a continuação, hein. Vou ficar esperando, me mantenha informado.
Obrigado Carlos! Te informarei sobre a continuação!
ExcluirGrande abraço!
Vaz
Caramba... me enganou direitinho!! Eu pensando que fosse Adam, o vampiro!
ResponderExcluirEsperando a continuação!! Adorei!! Aliás gostei de todo o blogue.
Adorei!!
ResponderExcluirvocê escreve muito bem!!
e reuniu tudo o que eu mais gosto em uma história!!
parabéns!!!
Olá Vaz,
ResponderExcluirSó tenho uma palavra para descrever este conto: espectáculo!
É raro encontrar alguém com este nível literário e por isso congratulo-te.
Espero pela sequela.
Um abraço
Obrigado Max! São comentários como os teus que me incentivam a continuar escrevendo, mesmo que beeeem lentamente rsrrsrs/
ExcluirGrande abraço e obrigado pela visita!
Esqueci-me de te dizer que a Luma recomendou o teu blog (num post dela) e fico feliz por ela o ter feito...Cheers
ResponderExcluirObrigado pela informação! Não sabia que ela tinha feito isso, fiquei feliz pela indicação dela também! :)
ExcluirDemais -v- Continuação por favor.
ResponderExcluirExcelente!E´a historia da minha vida rsrs
ResponderExcluir